Fake news reforçam homofobia, racismo, xenofobia e intolerância religiosa
Neste A Semana em Fakes, Edgard Matsuki, editor do Boatos.org, cita exemplos de notícias falsas que reforçam posicionamentos preconceituosos contra gays, negros, estrangeiros e religiões.
Muito se debate sobre o impacto das notícias falsas no posicionamento político da população (debate que é, inclusive, muitas vezes guiado como retórica política). O que hoje queremos fazer é chamar atenção para algo além disso: o uso das fake news como formação e reforço de comportamentos preconceituosos (em alguns casos, criminosos).
Os últimos dias foram exemplares em termos de notícias falsas que reforçam comportamentos preconceituosos contra gays, negros, estrangeiros e algumas religiões. Sim, em meio a algumas notícias falsas (algumas até vendidas como “brincadeirinha”) homofobia, racismo, xenofobia e intolerância religiosa ficaram latentes.
Há cerca de um mês, um vídeo (que nunca deveria cair na internet) de corpos de pessoas carbonizados começou a circular junto com um áudio sobre como “Deus é bom”. Isso porque o vídeo seria de uma invasão de não-cristãos a igrejas que morreram graças a um “raio enviado por Deus”.
Um dos exemplos apontava que o caso havia ocorrido na Nigéria e que as vítimas seriam integrantes do grupo extremista religioso Boko Haram. Outro exemplo apontava que a história teria ocorrido na Índia e que os mortos seriam “motoqueiros indianos”. As duas histórias eram falsas (na realidade, o vídeo foi de uma tragédia ocorrida na Tânzania que nada tinha a ver com religião) e foram desmentidas no Boatos.org.
Mais do que entregar uma notícia falsa, o conto do raio divino “vende” a ideia de que apenas existe uma religião certa (o que não é verdade). Mais do que isso: entrega um Deus punitivista que trucida quem não o segue. Ou seja: reforça pensamentos radicais e a intolerância religiosa (algo estranho para quem cria critica comportamentos como do Boko Haram).
Aliás, a rejeição pelo que vem de fora e estereótipos criados com base no senso comum também são uma constante nas fake news. Neste sentido, a China tem sido uma das maiores vítimas da xenofobia ligada à desinformação. A última das histórias, que usa o nome de Tasuku Honjo (vencedor do Nobel de Medicina), acusa (novamente e sem provas) a China de ter criado o coronavírus para “dominar o mundo ocidental”.
Além de desinformar, histórias como essas são perigosas e reforçam o preconceito. Relatórios mostram, por exemplo (local em que a fake news em questão também circulou), os casos de violência contra asiáticos (não apenas de origem chinesas) aumentaram durante a pandemia.
Quem luta contra o preconceito, por sinal, também é alvo de fake news. E aí chegamos a uma notícia falsa que começou a circular nesta semana. Uma informação falsa e absurda sobre a proibição da sinuca “por ser um jogo racista” circulou na internet.
Além de usar indevidamente o nome do deputado federal José Ricardo (PT-AM), a notícia falsa tentava deslegitimar (em tom jocoso) movimentos em defesa da igualdade racial. Ou seja: um prato cheio para quem chama a luta contra o racismo de “patrulha ideológica”.
Notícias falsas também reforçaram a homofobia. Em um dos casos da semana, “defensores da moral” começou a compartilhar a notícia absurda que um “parque temático da ideologia de gênero” seria inaugurado no Rio Grande do Sul. Apesar de puritanos terem ficados horrorizados (isso porque os brinquedos teriam o formato de genitálias), a história (assim como a retórica de que existe uma ideologia de gênero para “transformar as criancinhas em gays) era falsa.
Outra notícia foi compartilhada por pessoas que não gostam do presidente Jair Bolsonaro (muitas erguem, em público, a bandeira contra a homofobia). Uma tese sem pé nem cabeça de que ele teria um “namorado chamado Aristides” no Exército e que teria um apelido de “noivinha do Aristides”.
Teve gente que achou que estava apenas atacando presidente a fake news. Não estava. Ao colocar uma relação homoafetiva como alvo de chacota, a homofobia também estava sendo reproduzida.
Os exemplos são mais uma prova que, para além do que as fake news desinformam, é importante se atentar para quais comportamentos elas reforçam. Se você é realmente é contra a desinformação e preconceitos, tenha atenção redobrada em relação ao que você posta ou compartilha.
Trends da semana
As palavras mais buscadas no Boatos.org nos últimos dias foram, em ordem crescente, Pfizer lança ivermectina, Motoqueiro, Bolsonaro, Maculopatia, Banana da Somália, Ivermectina, Pfizer, Banana e Pfizer ivermectina.
Os desmentidos mais lidos do Boatos.org nos últimos dias foram, em ordem crescente, sobre a notícia falsa que apontava que motoqueiros que iriam invadir uma igreja na Índia foram queimados, que o carnaval 2022 no Rio de Janeiro havia sido cancelado, que integrantes do Boko Haram foram queimados na igreja, que Santa Etelvina do Guaíba iria lançar um parque da “ideologia de gênero” e que bananas vindas da Somália estavam causando mortes no Brasil.
No Twitter, o conteúdo com maior engajamento era o que desmentia que um prefeito de uma cidade no RS iria lançar um parque temático da “ideologia de gênero”. No Facebook e no Instagram, o conteúdo com maior compartilhamento era o que desmentia que Bolsonaro tinha o apelido de “noivinha do Aristides nos tempos de Exército”. No Telegram, o conteúdo mais visto era o que desmentia que um projeto previa a proibição da sinuca no Brasil.
Por fim, no YouTube, o conteúdo mais visto era o que desmentia que motoqueiros da Índia e membros do Boko Haram foram queimados por um raio divino na igreja.
Edgard Matsuki é editor do site Boatos.org, site que já desmentiu mais de 6 mil notícias falsas
Uma das novidades do Boatos.org para 2021 é a seção “A Semana em Fakes”. Periodicamente, faremos análises sobre os assuntos mais recorrentes em termos de desinformação na internet. Este conteúdo ficará aberto para republicação em outros veículos de mídia. No momento, publicamos o conteúdo no Jorn., Portal Metrópoles, Portal T5, Conexão Marília e O Anhanguera (caso tenha interesse, entre em contato com o Boatos.org para saber as condições). Para ver todos os textos da seção, clique aqui.